
Há pelo menos 20 dias, para onde quer que você olhe vai se deparar com algum anúncio de Corações de Ferro, seja ele exposto no metrô de Londres, seja nos ônibus vermelhinhos de dois andares. O Festival de Londres terminou com a exibição de Corações de Ferro com grande estardalhaço no noite de 19/10. Horas antes, pudemos conferir a coletiva, em que tive a honra de fechá-la com a última pergunta a Brad Pitt. Mas primeiro vamos ao filme em si.
No centenário de comemoração ao início da Primeira Grande Guerra, mais um filme de guerra acaba almejando se tornar não apenas mais um filme de guerra. Não é o caso de Corações de Ferro, já lhes antecipo. Não há nada de tão emblemático se comparado a Nascido para Matar, Apocalipse Now ou mesmo Por Quem os Sinos Dobram. Ambientado nos últimos dias de guerra na Alemanha, os Aliados estão invadindo o Império de Hitler. O pelotão, apelidado “Fury” e comandado por Don Collier (Brad Pitt), recebe o novato cristão Boyd Swan (Shia LaBeouf), que hesita em matar. Logo, Boyd não vê saída e se rende ao ódio aos nazistas.
Muito embora o diretor e roteirista David Ayer admita que “se trata de um capítulo muito interessante da história, os Estados Unidos não foram os libertadores. Eles estavam ocupando e invadindo um país”. Pitt, no entanto, quer deixar transparecer que “não é um filme sobre um lado. É uma história sobre os traumas dos soldados e o que eles vão levar para casa depois”. A meu ver, infelizmente, não é desse modo que as coisas estão na tela. Sabemos que para “neutralizar” o mais possível a tendência do espectador a se aliar a um personagem é acompanhar com a câmera igualmente os americanos e os alemães. Não é isso o que acontece. A câmera está quase o tempo todo dentro do tanque de Brad e seus comandados. O público vai ficar sendo testemunha dos seus traumas, não de um velhinho alemão que é fuzilado no meio da rua. Nada sabemos dele.
É assim que Hollywood caminha. E é assim que devemos tentar ver a história, com desconfiança dos narradores em primeira pessoa.
O tanque em que o pelotão se esconde tornou-se a casa desses soldados, mesmo durante as filmagens. O período de preparação dos atores foi extenso: eles conviveram por três meses antes do início das filmagens, elaborando a gênese de cada personagem. Muito embora o diretor não tenha optado por momentos de flashback, em que explicaria quem eles são e foram, o desgaste físico, a fome e a pressão mental foram tema de conversas entre a equipe. Ainda os vejo muito bonitinhos na tela, me desculpe. Seria possível uma preparação como a de Michael Fassbender em Fome, em que ele perdeu vários quilos? Um processo tão árduo de preparação dos atores não poderia tê-los tornado mais soldados e menos estrelas? Roma, Cidade Aberta não nos disse o suficiente sobre a guerra?
A coletiva girou sobre o reconhecimento de que o tanque não é nada ergométrico, sobre os litros e litros de Nescafé entre um take e outro e o mote alardeado no filme de que “As ideias são pacíficas, mas a história é violenta”, já que podemos falar, falar, falar, mas nunca estaremos evitando um conflito. (“Tanta gente existe por aí que fala, fala e não diz nada ou quase nada.”). Soltei então isto a Pitt:
Moviola: “O que você pensaria e o que faria se um dos seus filhos fosse convocado pelo exército norte-americano?”
Brad Pitt, agravando o tom de voz: “Uau. (pausa). Se eles forem convocados, então não há nada a fazer. Eu me preocuparia como pai, tentaria verificar se eles seriam bem treinados. E começaria a rezar”.
Corações de Ferro, de David Ayer (Fury, Reino Unido / China / EUA, 2014)

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