Quando um filme é selecionado para exibição em Cannes, o festival faz alguns pedidos. É recomendado aos realizadores que levem DVDs de seus filmes, folhetos e cartazes para divulgação. Fernanda Teixeira, diretora do curta-metragem A Espera, atendeu as solicitações à risca. Ela está entre os quatro brasileiros curtas-metragistas selecionados para a 61ª edição do festival francês (veja reportagem sobre Muro, um desses curtas, premiado na Quinzena dos Realizadores). Na bagagem, Fernanda levou dezenas de cópias de seus filmes, tantos que, provavelmente, foram em uma mala separada.

O curta-metragem conta a história de um idoso à espera da hora de morrer. É um filme calcado em seu cotidiano, que acompanha as pequenas coisas que o homem faz em seu dia-a-dia. A câmera não o deixa, fica colada no personagem quase a totalidade do filme.
Seus dias transcorrem em total solidão, a exceção da presença de seu cachorro, único ser com o qual ele se relaciona. Há, no entanto, outros bichos espalhados pela casa, mas são animais mortos, empalhados, o que sugere uma vida dedicada à caça.
A Espera está coadunada a uma certa linha narrativa do curta-metragem contemporâneo. Na verdade, é o seu caráter pouco narrativo que o coloca nesse âmbito. É que curtas-metragens sobre o cotidiano, em que aparentemente poucas coisas acontecem, vêm sendo recorrentemente adotados por cineastas. Fernanda Teixeira acha que esse tipo escolha está relacionado ao tamanho da produção, porque filmes com pouco dinheiro geralmente são obrigados a ter menos atores e poucas ou apenas uma locação.
É o caso de A Espera. Rodado com uma verba de R$ 3 mil (a exceção da finalização, que recebeu apoio para a cópia em 35mm, mas só após a seleção para Cannes), o curta é todo localizado em uma casa de campo, a residência do seu personagem. É importante, entretanto, deixar claro que esse alinhamento estético com outros filmes, não faz dele uma obra menor.
No filme, pequenas coisas acabam tomando grande força simbólica, o que às vezes pode resultar em excessos da direção, como a relação do livro que o personagem lê com a história que está sendo contada. O velho caçador inicia o filme lendo Cem anos de solidão, do nobel Gabriel García Márquez. Quando o conclui, dias depois, toma a grande decisão do filme, a de concluir com sua rotina.
O curta de Fernanda Teixeira também trabalha com um quê de estranhamento, que pode ser muito bem lido como uma homenagem ou referência à obra que o velho lê. Além dos seus bichos empalhados, que dão à casa um tom fantasmagórico, há um caixão que é diariamente cuidado pelo personagem. Ele o lustra como se tratasse de um velho móvel de sua residência, com naturalidade, zelo. Nas manhãs, lê o obituário e risca de sua antiga agenda, os que já morreram.

Transtorno, o curta-metragem anterior de Fernanda Teixeira, é carregado de uma atmosfera semelhante ao A Espera. Novamente estão lá o cotidiano e o silêncio dos personagens. Mas em Transtorno há um recheio de humor negro que o diferencia. São dois personagens que moram em uma casa de dois andares: um jovem escritor, com seu peixe, e uma velha com seus inúmeros gatos, sua tosse crônica e o mesmo disco ouvido repetidamente na antiga vitrola.
Para Fernanda, o motivo de a velhice ser um tema recorrente em seus dois primeiros filmes, está ligado a escolhas estéticas. “A velhice me interessa mais do que a juventude. Acho que não conseguiria fazer um curta adolescente. Nunca fui uma adolescente típica. Aquilo nunca me interessou nem quando eu tinha aquela idade.”
Transtorno foi seu filme de conclusão do curso de cinema e esteve em muitos festivais por todo o país, mas é com A Espera que a cineasta estréia fora do Brasil.
Ter sido selecionada para Cannes deu uma visibilidade inédita à carreira de Fernanda Teixeira. “A quantidade de e-mails que eu recebo convidando o filme para inscrição em festival, é absurda. Você sai daquela coisa de ficar catando os festivais para saber qual você vai mandar. De repente as pessoas começam a prestar atenção em você. É impressionante como muda a perspectiva.”
Fernanda já tem idéia para mais dois curtas. Ia começar a filmar um deles, mas por causa da ida à França, precisou adiar o projeto. Ambos são baseados em crônicas que seu pai escreveu. O próximo a ser filmado tem o título de O Centurião da Atlântica, sobre um porteiro de um prédio da orla de Copacabana.
Mas o intuito de Fernanda com esses próximos filmes é se distanciar das temáticas pelas quais ela já passou. “São filmes muito diferentes dos que eu já fiz”, conclui a realizadora.